domingo, 11 de novembro de 2007

A baía dos golfinhos



Biólogo descobre que área no litoral de Mangaratiba pode abrigar até mil botos-cinza. É a maior concentração dessa espécie já encontrada no Brasil — e uma das maiores do mundo


João Ricardo Gonçalves


Rio - Há apenas 20 minutos no mar, a lancha é envolvida por cerca de 200 golfinhos. Para qualquer direção que olhe, o passageiro pode ver botos de vários tamanhos subindo para respirar e brincando, às vezes em grupos. A cena geralmente é associada a paraísos ecológicos isolados, mas ocorre com freqüência a 100 quilômetros do Rio, na Baía de Sepetiba, entre Mangaratiba e Itaguaí. É lá que, há 6 anos, biólogo está pesquisando a maior concentração de botos-cinza (Sotalia guianensis) do Brasil e uma das maiores no mundo.

As pesquisas de Leonardo Flach, que conduz o Projeto Boto-cinza, apontam para população entre 500 e mil animais na região, bem maior do que os 200 esperados no início dos estudos. Segundo o biólogo, uma das explicações é a presença de alimento variado e abundante para os animais, o que pode indicar que a região, mesmo abrigando portos, ainda tem fauna marinha considerável. “Pode-se usar o golfinho como bioindicador da área em estudo. Onde tem golfinho, tem peixe e vida”.

Atualmente, Leonardo está fotografando as nadadeiras — que servem como ‘impressões digitais’— dos botos encontrados para catalogar cada um dos golfinhos e saber se a população está aumentando ou diminuindo. O posicionamento de cada boto fotografado também é registrado, para se determinar a distribuição dos cetáceos.

O trabalho envolve ainda o monitoramento dos golfinhos encontrados mortos, número que
vem crescendo nos últimos três anos, assim como o movimento dos portos da região e a preocupação com a necessidade de criar zonas de preservação na baía. Em 2005, foram encontrados 15 animais mortos; no ano passado, 16, e, este ano, já foram achados 19.

PEDIDO PARA A MARINHA

“Estamos entrando em contato com a Marinha para saber sobre a possibilidade de estipular áreas de exclusão para fundeio (‘estacionamento’ de embarcações que aguardam para se aproximar dos portos) de navios, por causa do crescimento do movimento nos portos em Sepetiba”, conta Leonardo.

Afinal de contas, não é em qualquer baía — no Brasil e no mundo — que se encontra um grupo que pode chegar a mil golfinhos. “É um projeto diferenciado que está estabelecendo novos parâmetros em pesquisa no Brasil, devido à tecnologia aplicada, ao cruzar dados científicos com informações locais. Está havendo um esforço conjunto entre a Vale do Rio Doce, que patrocina o projeto, e a comunidade para o retorno confiável de informações privilegiadas sobre a região”, comemora o pesquisador.

AJUDA DE QUEM VIVE DO MAR

Além da Companhia Vale do Rio Doce, que escoa parte de sua produção pela baía, o Projeto Boto-cinza conta ainda com o apoio de quem já viu os cetáceos como adversários na disputa pelo pão de cada dia: os pescadores da região. Conscientizados de que as espécies que procuram não são ameaçadas pela presença dos golfinhos, alguns ajudam nas pesquisas.

Morador de uma das ilhas da região, o pescador Leandro Ribeiro liga para o biólogo Leonardo Flach sempre que avista algum grupo ou animal morto: “É importante preservá-los”.

A Colônia de Pescadores de Itacuruçá vai receber até um refrigerador para armazenar animais encontrados mortos. Os golfinhos coletados são encaminhados para biólogos que pesquisam se os animais foram mortos por causa da poluição, ferimentos de redes de pesca ou outras causas. “O que nos atrapalha é a pesca predatória, e não os botos. Onde tem golfinhos, sabemos que existe cardume”, diz o presidente da colônia, Expedito Luís de Melo.

DESPOLUIÇÃO DE 50 MILHÕES DE LITROS

Mais de 50 milhões de litros de resíduos do acidente com a mineradora Ingá Mercantil já foram despoluídos e a água limpa devolvida à Baía de Sepetiba. Os trabalhos realizados pelo Departamento de Engenharia da PUC, Coppe/UFRJ e funcionários da empresa começaram dia 14 de setembro e estão adiantados. “Estamos tratando a parte emergencial. A estimativa é que se estenda por um período de oito meses a um ano”, afirma o síndico da massa falida da Ingá, Jarbas Barsanti.

Os poluentes, principalmente cádmio e zinco, retirados da barragem ficam guardados na Ingá. Eles poderão ser leiloados ou tornados inertes. A previsão é que a área descontaminada seja vendida em leilão em um ano por R$ 120 milhões.

Em 2004, O DIA publicou série sobre a degradação da baía. Pescadores tinham de vencer 1 km de lama para chegar ao mar. A massa falida gastará R$ 900 mil na filtragem do lago contaminado. A empresa faliu em 98, deixando enorme passivo ambiental. Em 2005, fortes chuvas causaram vazamento de milhões de litros de água contaminada que atingiram extensa área de mangue.


Fonte: Jornal O Dia

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